A linha tênue entre comunicação pública e estatal no Pará: entenda a diferença
- OLIM
- 23 de mar.
- 5 min de leitura
Atualizado: 24 de mar.
Por: Amanda Santos, Lívia Leoni e Roberta Cartágenes
O Projeto de Lei (PL) 701/2024, que tramitou no Pará, trouxe à tona importantes questionamentos sobre a diferença entre comunicação pública e comunicação estatal. A proposta de incorporar a Funtelpa à Secretaria de Comunicação gerou um debate crucial sobre os diferentes objetivos dessas duas modalidades de comunicação.

Em dezembro de 2024, a proposta de reestruturação da administração pública no estado do Pará, encaminhada à Assembleia Legislativa (Alepa) pelo governador Helder Barbalho, levantou um intenso debate sobre a distinção entre comunicação pública e comunicação estatal. Entre as mudanças propostas pelo Projeto de Lei (PL) 701/2024, destaca-se a extinção da Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa), que administra a rádio, a TV e o Portal Cultura.
A Funtelpa, criada em 1977, é um órgão histórico na transmissão de conteúdo de interesse público, promovendo a diversidade cultural e a pluralidade informativa. Com sua incorporação à Secretaria de Comunicação do Estado do Pará, há a preocupação de que a comunicação pública seja substituída por uma comunicação governamental, que tem como objetivo central a promoção das ações do governo vigente.
O PL 701/2024 também previu a extinção de 12 secretarias estaduais, incluindo a Secretaria de Estado de Igualdade Racial e Direitos Humanos (Seirdh), que seria absorvida pela Secretaria da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (Semufdh), e a Fundação Cultural do Pará (FCP), que seria repassada para a Secretaria de Estado de Cultura (Secult). O governo estadual justificou as mudanças alegando busca por modernização, economicidade e eficiência administrativa.
Em nota, o Governo do Pará disse que "estuda uma reestruturação da gestão pública pensando na modernidade e economicidade, para trazer mais investimentos e garantir estrutura administrativa otimizada, focada no alcance de resultados mais eficazes da Administração Pública."
Comunicação Pública no Pará: autonomia e pluralidade
Diante desse cenário, especialistas destacam a importância da comunicação pública para a sociedade, evitando a centralização do controle da informação e assegurando a pluralidade de vozes na sociedade paraense.
Para o jornalista Fabrício Rocha, a grande diferença entre os dois tipos de comunicação está na pergunta que guia cada uma:
“A nossa pergunta, da comunicação pública, é o que fortalece a cidadania, o que fortalece o cidadão, o que ele deve saber, o que é muito importante para ele saber.”, explica.

Ou seja, para as emissoras públicas, o foco é informar a população do que é relevante, do que pode ser útil e educacional. Ainda que na maioria das vezes a comunicação pública seja financiada pelo Estado, o protagonista é a população.
O conteúdo produzido pela comunicação pública, seja na TV, na rádio, nos jornais ou na internet, não é determinado pelas decisões do governo. Na realidade, as demandas vêm da população, fortalecendo pautas, movimentos e informações valiosas para a sociedade.
Um aspecto muito importante das emissoras públicas é o conselho curador, composto por um grupo de pessoas que tem a responsabilidade de elaborar políticas gerais para a instituição e, além disso, fiscalizar se sua missão está sendo cumprida. A professora de comunicação social da Universidade Federal do Pará (UFPA), Regina Lima, que presidiu a Funtelpa entre 2007 e 2010, explica o papel fundamental desse conselho.
“É um grupo de pessoas que vão pensar as políticas mais gerais para aquela instituição e, mais do que isso, eles vão ter a função quase que de fiscalizar se a finalidade daquela instituição está sendo cumprida”, destacou Regina.

Para garantir a imparcialidade, um dos princípios da comunicação pública, esse conselho deve ser formado por membros da sociedade civil, colaboradores da emissora e membros do Estado. A diversidade no grupo garante que diferentes perspectivas sejam consideradas.
O professor e pesquisador Fábio Castro, que participou da criação da Secretaria de Estado de Comunicação do Pará e a liderou entre 2007 e 2009, destaca o papel das emissoras públicas na busca por neutralidade:
“Nenhuma comunicação é totalmente imparcial – isso é uma ficção. No entanto, uma emissora pública, com um estatuto que assegure a autoprodução e a auto documentação, consegue se aproximar ao máximo desse ideal”, explica.

No Pará, um exemplo de comunicação pública é a Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa), responsável pelas emissoras Cultura. Com uma programação diversificada, que inclui TV, rádio e outros meios de comunicação, a Funtelpa tem se destacado por pautar temas como cultura paraense, educação e valorização da diversidade.
Programas como “Feira do Som” ou “Sem Censura” fizeram (e ainda fazem) parte do imaginário e da rotina dos paraenses, mas também desempenham um papel importante na criação de uma identidade regional, ao promover diálogos com diferentes gêneros musicais, religiões e políticas. (Leia mais sobre a influência da Rede Cultura aqui)
Comunicação Estatal: transparência e ações governamentais
Por outro lado, a comunicação estatal está diretamente ligadas às atividades governamentais, como explica a jornalista Adelaide Oliveira, presidente da Funtelpa entre 2011 e 2018:
“Ela diz quais são os atos do governador, as decisões, ela vai cobrir esses atos, faz publicidade, paga para que a voz oficial seja pautada por outros veículos, seja colocada em anúncios, seja em outros meios”.

A comunicação estatal, deve ser baseada na transparência e acessibilidade, garantindo que as informações divulgadas sejam compreendidas pela população, visto que o diálogo com o governo é mediado pela comunicação.
Um exemplo de comunicação estatal é a Secretaria de Comunicação do Estado do Pará (Secom), instituída pela Lei n. 7.056, de 19 de novembro de 2007. que rege essa modalidade no estado. Por meio das informações disponibilizadas pela Secom é possível entender quais ações governamentais estão ocorrendo, como o dinheiro público está sendo investido, quais campanhas são relevantes, dentre outras informações, sempre atreladas à gestão vigente.
Já a comunicação pública, embora também dependa de financiamento estatal, tem um papel distinto: ela deve garantir a pluralidade de vozes e o interesse público, sem estar subordinada ao governo de turno. No entanto, como destaca o professor Fábio Castro, sua autonomia é frequentemente ameaçada: “A TV pública, e a comunicação pública em geral, é muito vulnerável ao cenário político. Então, ela precisa ser defendida pela sociedade, que precisa afirmar que tem interesse nela.”
Por isso, é essencial garantir a individualidade das duas modalidades de comunicação, para que cada uma exerça seu papel. Caso a comunicação pública seja extinta, e acoplada à comunicação estatal, haverá incompatibilidade de objetivos.
“A partir do momento que ela [a comunicação pública] fica subordinada à Secretaria de Comunicação, ela fica a refém da política, inclusive, às vezes, partidária daquele governo, seja ele de qual espectro político for. Isso não pode acontecer”, diz Adelaide Oliveira, como um alerta.
Ouça mais sobre a diferença entre Comunicação Pública e Comunicação Estatal:
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