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Acervo, identidade e cultura também são sinônimos de Funtelpa

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    OLIM
  • 12 de fev.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 13 de fev.

Bastidores do programa Sem Censura. Foto: Melyssa Almeida, 2023.
Bastidores do programa Sem Censura. Foto: Melyssa Almeida, 2023.

Por: Giovanna Martini


Acervo, documentação e registros são conceitos ligados à memória e à identidade. É uma tarefa árdua tentar desvendar as culturas de determinada sociedade sem conhecer sua história documental, construída ao longo do tempo. Dentre tantos aspectos, é preciso, também, levar em consideração a história midiática dessa sociedade.


Instituições tradicionais, como emissoras, fundações e estações, funcionam como grandes repositórios de mídia — seja visual, como a televisão; auditiva, como as rádios; ou ambos, como no caso das fundações. O acervo produzido e armazenado por esses locais também representa um recorte das singularidades do território onde estão localizados. Um exemplo desses repositórios é a Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa), em atuação desde 1977 no estado do Pará, que surgiu para promover uma integração nacional. 

Produção da TV Cultura. Foto: Melyssa Almeida, 2023.
Produção da TV Cultura. Foto: Melyssa Almeida, 2023.

A Funtelpa iniciou suas atividades com a Rádio Cultura - Ondas Tropicais (RC-OT), no mesmo ano de criação da Fundação. Nessa época, o rádio cumpria um papel importante de levar informação para áreas remotas, característica comum do território amazônico. A programação era voltada para promoção dos ideais da ditadura militar, vigente naquele período.


Em 1985, entra no ar a Rádio Cultura, com o objetivo de ser uma emissora alternativa. A programação musical já era, desde então, uma forte característica da rádio, o que auxiliou na popularização da Cultura entre os paraenses. Dois anos depois, em 1987, surge a TV Cultura em caráter experimental, apenas servindo como retransmissora da TVE Brasil do Rio de Janeiro.


Comunicação pública: uma representação da sociedade


As difusoras públicas representam uma mediação entre os interesses culturais e midiáticos da sociedade e do estado e, em teoria, estabelecem diálogos que visam melhorias para ambas as partes envolvidas. Segundo Fábio Castro, professor e pesquisador de Comunicação na Universidade Federal do Pará (UFPA), a comunicação pública é um pilar necessário para a sociedade e vice-versa, ainda que existam falhas nesse processo:

“Uma emissora pública garante a imparcialidade, ou pelo menos é o que mais se aproxima disso. A TV pública, e a comunicação pública em geral, são muito vulneráveis ao cenário político. Então, elas precisam ser defendidas pela sociedade, que precisa afirmar que tem interesse nelas”, explica Fábio.

A comunicação pública, quando eficiente, funciona como um termômetro da relação entre sociedade e Estado. Nos casos em que esse sistema sofre corrupção ou forte influência estatal - devido ao financiamento da produção comunicacional, por exemplo - seu caráter público se perde, transformando a emissora em mais uma extensão da assessoria de comunicação governamental.


Nesse cenário, a sociedade perde uma entidade que, antes, deveria se voltar para os interesses coletivos e para a soberania social, e cede lugar a uma programação que não permite questionamentos nem denúncias sobre a realidade política local. “A forma do poder no Brasil, a maneira como o poder político vê a comunicação, é sempre a ideia de uma comunicação instrumental, ou seja, estatal”, pondera o pesquisador.


Diálogos e debates precisam do espaço público


Comunicar de forma pública significa ir na contramão desse uso instrumental da comunicação. É abrir espaço para debater e dialogar sobre pautas relevantes para a comunidade, permitindo que múltiplas narrativas sejam ecoadas e garantindo, assim, a soberania social. Como é o caso de Brigitte Liberté, drag queen, produtora cultural paraense e idealizadora do Coletivo Manas (En)Cena, que luta pela garantia de espaços de reconhecimento e diálogo.


Em entrevista, a produtora cultural comenta sobre a dificuldade de contar com a imprensa tradicional para divulgar projetos culturais no estado. As plataformas da Funtelpa auxiliaram Brigitte a alcançar públicos maiores, tanto na TV quanto na Rádio Cultura.

“Quando a gente consegue estar nesses espaços, eles ajudam de alguma forma, porque fura a bolha. Ainda é uma dificuldade adentrar, mas a Cultura sempre foi uma aliada, por exemplo”.

Mesmo enfrentando obstáculos, Brigitte defende que os espaços midiáticos são fundamentais não apenas para a divulgação de projetos, mas também para gerar incômodo e estimular reflexões a partir da apresentação de diferentes pontos de vista.


Brigitte Liberté (usando vestido verde) em entrevista para o programa Sem Censura. Foto: Acervo pessoal, 2024.
Brigitte Liberté (usando vestido verde) em entrevista para o programa Sem Censura. Foto: Acervo pessoal, 2024.

Em 2024, Liberté esteve no Sem Censura, programa de entrevistas da TV Cultura que vai ao ar diariamente há 37 anos, e que aborda temáticas variadas. Na ocasião, ela propôs um debate sobre direitos sexuais, reprodutivos e arte drag. Segundo Brigitte, o teor polêmico do assunto a levou a ter dúvidas se a entrevista seria mantida pelo canal de televisão. “Não sei se eles (a produção) iam aceitar a pauta. Aí aceitaram, e eu achei bem legal. Porque é isso, é pra incomodar. E eu espero que muita gente tenha sido super incomodada com a gente falando isso, na televisão aberta. É sempre necessário causar esses incômodos, porque eles despertam coisas em algumas pessoas”, reflete Brigitte.




Identidades construídas com a comunicação


Além de promover debates, a produção televisiva e audiovisual também cumpre um papel no processo de criação e reconhecimento de identidade e cultura. O professor Alex Damasceno de Cinema e Audiovisual, da Faculdade de Artes Visuais na UFPA, afirma que:

“a cultura funciona nesses dois caminhos: ela depende da memória, da preservação, e a partir disso as coisas se criam.” Ainda segundo Alex, os processos de identificação são atravessados pela criação e representação de cultura no audiovisual, afirmando que as pessoas se identificam ao serem representadas. 

A Funtelpa é referência em produções audiovisuais, sendo que as TV e Rádio Cultura são pilares essenciais na formação cultural e identitária dos ouvintes e telespectadores paraenses. Para Alex, representar a cultura e identidade é um movimento que precisa começar da própria população, para que o reconhecimento e a valorização aconteçam.


“A gente sabe que tem uma discussão de como o Norte é representado pelo olhar de fora, como as pessoas vêm para a Amazônia para filmar a Amazônia, mas não desenvolvem o local. A gente sabe que isso é muito comum. Então tem um jogo que é muito importante: a gente criar mecanismos para incentivar a produção, incentivar a distribuição dessas obras, que essas obras produzidas aqui circulem também” destaca o professor de Artes Visuais.


O autorreconhecimento na mídia aproxima o consumidor do conteúdo, estimulando a construção coletiva das produções e, mais uma vez, cumprindo o objetivo da comunicação pública. Nesse sentido, não é raro encontrar pessoas que guardam memórias afetivas com as produções da Funtelpa. É o caso de Leonardo Vitor, professor de Ciências Sociais e ex-membro da banda paraense Móbile Lunar, que guarda recordações dos programas da fundação desde a infância.


Leonardo Vitor (ponta direita) na banda Móbile Lunar. Foto: Acervo da banda, 2018.
Leonardo Vitor (ponta direita) na banda Móbile Lunar. Foto: Acervo da banda, 2018.

“A TV Cultura sempre foi presente no meu lar. Desde que eu tinha cinco anos de idade, minha mãe chegava do trabalho e assistia os programas da tarde na TV aberta. Então era minha mãe e eu dentro do quarto dela, eu brincando de carrinho e ela sentada na cama, assistindo a TV Cultura do Pará. Essa é minha primeira memória”, relembra Leonardo. 


Na adolescência e na vida adulta, Vitor passou a frequentar os estúdios da Cultura. Lá conheceu artistas, jornalistas e produtores paraenses que o incentivaram a ingressar no cenário musical de Belém e, mais tarde, se sentiu inspirado a iniciar um podcast sobre música, intitulado Jungle.


“Eu acho que o principal programa que me influenciou a construir o canal (Jungle) foi o Conexão Cultura. Foi ele que me fez ter a iniciativa de entrevistar pessoas da área da música. E eu cheguei a tocar na TV Cultura, na época do Móbile Lunar. Eu entrei nesse ambiente da Cultura a partir dos meus 19 anos, e essa atividade da Rádio me atraía muito”, finaliza o professor de Ciências Sociais.


A preservação de acervos midiáticos como os da Funtelpa são essenciais na preservação da memória cultural de grande parcela da população paraense. Além de ser parte do imaginário popular, a TV e a Rádio Cultura cumprem papéis importantes para diferentes segmentos da sociedade, seja na divulgação de projetos, no fortalecimento da cena audiovisual da região ou, de forma subjetiva, na construção de caminhos profissionais e pessoais de centenas de indivíduos. 





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